“ O modo mais sublime de lidar com a dor é o esforço de superá-la, na vontade de viver, na garra de lutar.”


Querido amigo frei Cláudio,

Debrucei-me sobre as páginas de seu livro "‘Tua Fé te Salvou". Ficou-me a idéia de que sofrimento e dor, componentes da vida, assumidos, não ficam alheios à ação transformadora da graça.

Melhor, tornam-se oportunidades de crescimento pessoal e familiar, vínculos de integração na comum-união. Ou seja, uma eventual ruptura inicial pode vir a ser passagem para uma plenitude maior.

Na luz da fé, tal experiência aprofunda o auto-conhecimento e passa a ser vivenciada não só sob uma ótica mais objetiva, mas, sobretudo, conduz a uma maneira mais construtiva de lidar com a vida.

O caminho do carregar a cruz, do chorar com, do envelhecer, passa pela aprendizagem do saber viver e sofrer, onde definimos a nossa pertença a Deus em meio à convivência e no serviço fraterno.

Num contexto de fragilidade física e moral, desenvolve-se uma postura de recolhimento onde se escuta o Amigo maior dizer: “Se queres ser meu discípulo, toma tua cruz e segue-me”.

Receio tal convite, mas D. Hélder me tranqüiliza com a observação de que “a cruz é sinal de adição”, desde que seja encarada como “alavanca”, em benefício da vida e da redenção.

Toca-me a lição do sofrimento em sua aceitação, desvinculada de todo conformismo com essa estranha vontade de um Deus masoquista. Aliás, Deus não vai agraciar alguns em detrimento de tantos outros.

Para poder amá-lo incondicionalmente, prefiro aceitá-lo como um Mistério de amor, presença amiga que em tudo está conosco, para o que der e vier, honrando seu nome carinhoso “Tô-Ke-tô”.

Vida afora, vislumbro idosos e enfermos, cansados e desanimados, esvaziados da beleza e da força da juventude e da saúde, ignorando sua condição de “vasos trincados por fora, contendo tesouros”.

Porém, o mistério da Salvação, em clima de Aliança, suscita em nós a certeza crescente de que, vazios, podemo-nos tornar receptáculos de maravilhosas graças, numa prestação de serviços.

É missão de todos nós transformar-nos em “pão que sacia a fome e redobra as energias, e em vinho que alivia a sede e alegra o coração”, depois de triturado o trigo e esmagada a uva.

Através da leitura destas páginas confortantes, senti-me sobremaneira tocada por palavras como fragilidade, solidariedade, serenidade, transformação, entrega, louvor, desabafo, angústia, aflição...

Não raro, graças à fé, os frutos têm a ver com renovação, amorosidade, cura, autenticidade, alegria, coragem, gratuidade, visão ampliada, liberdade interior, solidariedade e vida renovada.


Reúno-as todas em imaginária partitura, supondo-as notas musicais a compor canções que embalem a cabeceira dos doentes, a caminhada dos idosos, a peregrinação dos acompanhantes.

Entrego-as ao Senhor que se fez compositor de tão bela melodia, destinada a todos que tiverem sensibilidade, e coragem, para entoá-la harmoniosamente entre solfejos de dores e risos.

Na gratidão,

Ieié
Belo Horizonte, 14/09/94.
Festa da Exaltação da Santa Cruz

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