DEUS DEMASIADAMENTE HUMANO?
Se Deus parece
com alguém, é com Jesus de Nazaré, “imagem
do Deus invisível” (Col.1,15).
Em Jesus, Deus aparece muito humano e este humano visa refletir
a singeleza do divino. Seu humor em ser e aprender, em pedagogia
e gestos, com tantas reações diferenciadas que provocam,
tudo isso se faz tão humano. Em tudo, Jesus se apresenta
como um irmão, um amigo, e como uma pedra de tropeço
também. Nunca, ele se mostra extravagante e, sim, o mais
humano entre todos, a ponto de nos surpreender em sua revelação
do mistério de Deus. Que Deus!
É possível
que a Igreja se faça demasiadamente humana, exageradamente
inserida na realidade com seus “sinais do tempo” em
expectativas, problemas, conquistas e possibilidades? Pelo contrário,
a encarnação exige que, comprometidos, sejamos peritos
em humanidade, sem que nos deixemos seduzir por mundanismo e perfecionismo.
A serviço de um permanente “renascer”, temos
de anunciar e ensaiar, sob vários aspectos, um mundo diferente,
uma convivência mais fraterna.
Não havia
um território reservado, no qual Jesus tinha de deter-se
exclusivamente, uma vez que Deus se move no coração
da realidade, no bojo da história e na complexidade das
relações, em que “todas as coisas têm
de ser recapituladas em Cristo” (Ef. 1,10). Se agora convergem
para Jesus a dinâmica da história e os mais nobres
desejos da humanidade, ele aponta para o sentido da vida e a plenitude
da civilização a partir do real que, ora, nos iescandaliza
e, ora, nos encanta.
Jesus revelou um
novo olhar sobre o mundo, evidenciando a intenção
do Criador que, pela mediação de tudo e todos, visa
a uma “vida de boa qualidade” (João 10, 10).
Nova visão de mundo, nova visão de Deus, com nova
solicitude para mobilizar todas as forças a serviço
da vida, muito além do “anátema” e graças
a um permanente “diálogo” em postura de serviço.
Foi esta também a convicção fundamental do
Concílio Vaticano II e o fio condutor de todos os seus
documentos.
“Tanto Deus
nos mostrou seu amor que enviou a este mundo seu filho de predileção”
(João 3,16) para servir a todos,a começar com os
mais sofridos (\Luc. 22,27). A lógica da encarnação
é o ritmo da salvação-serviço. Esta
lógica prioriza a doação acima da própria
identidade religiosa; ela abraça o risco das urgências
na Missão acima do cuidado pela própria coesão
eclesial; ela eleva o serviço pastoral acima do esforço
de (re) sacralização, visando uma crescente participação
e comunhão.
Aqui, a Salvação investe o amor na libertação
de tudo que possa impedir de respirar e de amar; e, ao mesmo tempo,
faz plenificar o que há de mais nobre e duradouro na vida
e no coração humano. Mais do que de uma simples
concessão ocasional, trata-se da essência do “tornar-se
carne” (João 1,13), que é a manifestação
mais apropriada de Deus em sua bondade para com todos (Tito 3,4),
na lógica do dom com partilha na comunhão. Salvação
é, portanto, humanismo nas relações.
De fato, “somos
portadores de uma divina ascendência” (At.17,29) e
quando o Filho “se aproximou dos que eram seus” (João
1,11), ele revelou que o Pai sonhou, projetou e realizou tudo
em vista de um só objetivo: ele conosco e nós com
ele, por Jesus e em Jesus, seu filho muito amado (João
17,21). A medida de nossa humanização e confraternização,
no amor da cidadania, é a medida de mais segura de nossa
divinização. Como dom para todos, Deus é
relação, comunhão e partilha.
A maior heresia
que ameaça o Cristianismo não é o secularismo
(cidadania avessa à religião) , mas a falsa interioridade
que nos pretende subjugar a um Deus solitário, distante
e todo-poderoso. Quem se mostra vítima das seduções
do emocional, engana-se a respeito de Deus; e quem se limita a
crer em Deus para matar a própria sede de interioridade
ou para resolver problemas pessoais, nega a lógica da encarnação.
Crer é mergulhar no processo de “se tornar carne”
e “se aproximar dos seus”.
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Frei Cláudio