A CHARGE
COMO PIVÔ
-------UM
FATO
-------Em set./2005,
um jornal dinamarquês retratou, ironicamente, a cultura
muçulmana e o profeta Moamé, vestindo esse com um
turbante-bomba. Somente meses depois, houve protestos. Posteriormente,
houve a retirada de um embaixador árabe. Em 30/1/06, registrou-se
um pedido de desculpa por parte do governo dinamarquês.
Em seguida, as charges foram publicadas na Alemanha, França,
Itália, Espanha e Holanda. Aconteceram protestos frente
à embaixada da Dinamarca em Londres. No longínquo
Paquistão, uma igreja cristã foi atacada. Embaixadas
de Dinamarca, Suécia, Noruega e Chile foram incendiadas
em Damasco. Em Beirute, o consulado dinamarquês foi incendiado.
Vinte pessoas foram mortas no esforço de conter a fúria
popular.
-------REAÇÕES
-------Em 6/2/06,
o Irã rompe relações comerciais com a Dinamarca
e um jornal convoca um concurso de charges sobre Holocausto. A
EU ameaça com uma ruptura com o Irã. Desencadeou-se
uma crise global. Manifestações mais violentas acontecem
no Afeganistão. Protestos em cidades da Indonésia,
em Istambul, Viena e Bancoc. Koffi Annan, secretário-geral
da ONU, lembra que a liberdade de expressão não
pode servir para insultar religiões. O Vaticano lembra
que a liberdade de expressão não se confunde com
desrespeito. A EU insiste no respeito à crença alheia.
A liberdade de expressão é feita bode de expiação.
Mas a Conferência Islâmica condena a violência.
-------CONSIDERAÇÃO
-------Toda religião
- quando usada para sustentar líderes interesseiros, amantes
do poder - faz de seus adeptos objeto de fraude, instrumentos
de exploração e subjugação por parte
de um poder covardemente a serviço da violência.
De carismáticos e fanáticos o mundo não carece.
Em nossas grandes cidades, a cada hora, se abrem duas novas “igrejas”.
O fundamentalismo campeia. Sofredores não faltam. No ocidente,
líderes religiosos se fazem agentes de mercantilismo. No
oriente, há quem divinize o poder político mais
que a vida de boa qualidade dos cidadãos.
-------A
moderna comunicação não traz, automaticamente,
compreensão com entendimento mútuo entre povos,
culturas e religiões. Em clima de totalitarismo, ela também
abre espaço para conflitos e violências com ódio
global. Neste caso da charge, parece que a surpreendente e estranha
reação do fanatismo religioso pretende agredir e
destruir valores da atual civilização global. A
liberdade de expressão está no centro. Mais que
um simples choque de civilizações, fanáticos
suscitam uma violência que se faz semente de extermínio
contra a civilização, inclusive a do islã.
-------MÃO Á
PALMATÓRIA
-------É
bom lembrar que, muito antes da referida charge, os adeptos da
JIHAD (Guerra Santa) tinham estabelecido um vínculo ofensivo
e difamatório entre o profeta e o terrorismo. Antes, sob
inspiração religiosa, houve massacres sangrentos
em Jerusalém, Berlin, Nova York, Madri, Mombaça,
Bali, Londres, Amsterdam e outras cidades. Agora, saquear embaixadas
parece bem mais obsceno e ofensivo a qualquer religião
que uma charge. Retrucar com balas ou bombas uma ofensa simbólica
é algo que vai muito além do bom senso e contra
o mais elementar senso ético.
-------Não
é de hoje que judeus, cristãos e muçulmanos
satirizam personagens e símbolos sagrados através
de charges e piadas. Pode ser espírito de humor ou correção
fraterna. Em geral, ambos. Fala-se de liberdade de crença
e expressão, de choque de civilizações, de
transposição de limites. Paixão visceral
por símbolos sagrados, de cultura ou religião –
simples diferença se torna oposição e ameaça
- pode criar fanáticos e infligir pretensa ultraje a milhões
de pessoas,. Por detrás, há líderes totalitários
a enfurecer massas linchadoras. Aqui, há dois lados da
mesma moeda: o exercício da liberdade de expressão
e a maturidade civil nas relações sociais.
-------AVALIAÇÃO
-------A reação
à charge tem sido desproporcional, irracional graças
a uma incitação planejada e uma manipulação
político-econômica. Associam, assim, a religião
à violência, estigmatizando aquela. De toda forma,
mais que uma simples charge, são os manifestantes incendiários
que prejudicam a imagem do Islã. A incontrolável
fúria da massa revela sua condição de manipulada
por um poder político-econômico totalitário,
que a faz confundir a esfera simbólica com a própria
realidade. Observou-se, com razão, que símbolos,
mais que símbolos - a bandeira de um país ostensivamente
incendiada - merecem um significativo e suficiente desagravo simbólico.
-------CONSTATAÇÃO
FINAL
-------Vítimas
e réus podem ser os fiéis religiosos manipulados
pelo poder político-econômico, sendo este usado para
manter o povo alienado e subjugado. A surpreendente e estranha
reação do fanatismo religioso – mais que choque
de civilizações – parece ser um esforço
covarde de manter elites no poder. O que há é um
preconceito religioso a serviço da dominação
do poder em vigor. O que se pretende é impedir, a todo
preço, que o capital nas mãos de magnatas seja distribuído
entre os milhões de pobres de visão, de consciência,
de participação cidadã, de esperança.
-------É
como se, agora, a mídia expusesse, aos olhos de todos,
milhões de alienados, furiosamente perdidos em sua impotência,
a fim de que nós os conscientizemos: “Venham para
o meio!” , i.é. a cura está em suas mãos.
“Vão e participem!”, i.é. assumam a
cidadania, façam valer seus direitos e deveres. Mas, em
tantos lugares, os donos do poder são visceralmente contrários
aos direitos dos cidadãos. Maldosamente, os poderosos usam
o sagrado, anulando os direitos políticos e civis. É
de sua utilidade sobrecarregar símbolos religiosos com
uma fortíssima carga emotiva. A profanação
de ícones passa a ser considerada uma lesa-pátria.
E eis a massa enfurecida!
-------NÓ
DA QUESTÃO
-------Em um passado,
sem Direitos Humanos e sem Liberdade de Expressão, crimes
hediondos foram cometidos impunemente. Atualmente, o fundamentalismo
se faz presente. É preciso estar alerta: tradição,
ortodoxia e disciplina jamais devem estar a serviço do
desrespeito e da violência. A liberdade de expressão
é e deve permanecer soberana, sobretudo onde o totalitarismo
político – mascarado pela religião –
procura impor-se e manter-se no poder.
-------Em
um passado remoto, o Cristianismo foi campeão no desrespeito
à liberdade de expressão. Em um passado recente,
o mundo islâmico tem se omitido em protestar contra graves
formas de violência. Não há de ser uma charge
que nos fará sentir vítimas e muito menos nos há
de tornar réus, desrespeitando a liberdade de expressão.
Caso ocorram abusos, existe a lei para que o desrespeito seja
coibido. Legitimar o terrorismo em nome do profeta é ofender
o Islã. Omitir-se na defesa da liberdade de expressão
é ofender, igualmente, o Cristianismo e o Islã como
qualquer outra religião ou filosofia de vida.
-------Mais
sagrado que o orgulho religioso é o espaço público
que nos há de abrigar como cidadãos no sagrado direito
da liberdade de expressão. O preço que essa liberdade
nos custou foi cara demais para que uma simples charge nos faça
perdê-la por uma fúria aparentemente religiosa ou
por um posterior complexo de culpa. É preciso aproveitar
do momento presente para que as consciências sejam esclarecidas
e o poder político mal intencionado seja desmascarado e
corrigido. Não se trata, atualmente, de uma luta religiosa,
de um desprezo pela religião alheia. No centro da presente
violência está o estertor de um poder político
da extrema direita. A disputa é de caráter moral,
de ética na política. Só a tolerância,
garantida pelo direito, será o caminho do entendimento.
A justiça seja feita não por indivíduos desequilibrados
e sempre através da aplicação da lei.
-------CONCLUSÃO
-------No Oriente
como no Brasil, o problema é que o petróleo, devido
a uma política internacional e cruel,
não capilariza a riqueza de seus recursos. Ou seja, o povo,
ao redor da mina, continua de mãos vazias. A mão
de obra qualificada é importada. O espaço ao redor
não está sendo beneficiado com escolas, hospitais,
estradas, tratamento de esgoto, etc. Para onde vai o dinheiro?
Não há oxigenação. Bolsões
de miséria sustentam a riqueza de uma minoria. Não
há planejamento. O povo continua abandonado. A riqueza
do lugar continua na mão de poucos. Para perpetuar tal
situação, nada melhor do que manter o povo alienado
e dependente. Eficiente recurso é aproveitar de uma charge
e, insinuando que se trata de uma discriminação
religiosa, incitar o povo à violência, apontando
abuso da liberdade de expressão. Ora. . . !
-------Enfim,
é preciso lembrar e insistir que uma crítica sarcástica
e brincalhona ainda não é uma injúria. Uma
charge, antes de incomodar, põe a nu um real defeito em
um modo de ser, de crer e de nos comportar. É como se fosse
uma parábola que Jesus gostava tanto de usar e que os fariseus
e os doutores da lei detestavam. Ela nos remete diretamente ao
núcleo da questão qual alfinete a furar um balão.
Só resiste quem é de má vontade e detesta
a verdade.
-------Em
manifestações populares, em países árabes,
parece haver uma resistência orquestrada com o apoio de
políticos e de uma parte do clero. Governos, oficialmente,
já não admitem violência física com
quebradeira. Mas o povo é mal informado. Uma charge do
profeta não visa ofender o profeta. Quer chamar a atenção
do povo que – em representantes seus - usa o profeta para
praticar formas de violência. Caso haja algo ofensivo em
uma charge, antes de garrotear a imprensa e governos, é
correto apelar à lei e processar desenhista e jornal.
+ + +
Frei Cláudio van Balen
Março / 2006
(Os dados foram colhidos de jornais e debates na TV)