JEJUAR
Introdução
Desde a mais longínqua
antiguidade, o jejum sempre foi avaliado, praticado e institucionalizado
como instrumento eficaz para equilibrar o corpo e purificar o
espírito. Variavam as motivações das práticas
do jejum, chegando a ser ambivalentes entre restaurar o equilíbrio,
expiar culpa, aplacar a ira divina com penitência e aprofundar
a solidariedade com os menos favorecidos. Não raro e por
muito tempo, a prática do jejum foi objeto de imposição,
com dever sob pena de pecado, sendo o corpo visto como algo hostil
e perigoso. Certo é que o jejum continua sendo um caminho
peculiar para interioridade e energia espiritual em prol de vida
com boa qualidade.
Bom cuidado
O jejum, bem programado,
serve para purificar os intestinos, o sangue e os líquidos
corporais, o que possibilita participar de modo mais intenso da
vida. Ao mesmo tempo, aconselha-se recorrer a banhos, movimentos
corporais, chás de ervas, água, drenagem linfática,
massagem, meditação, celebrações,
diálogos, etc. O resultado é a vitalização
de energias espirituais, com maior lucidez e sensibilidade que
familiarizam com a profundidade do viver, expondo a pessoa a luz
interior. Dizia Ghandi: “O que os olhos são para
a realidade exterior, o jejum o é para a interior”.
O jejum faz crescer o respeito para com os limites e as capacidades
do próprio corpo.
Solidariedade
O jejum educa para
um modo menos poluído de lidar com a natureza que somos,
equilibrando o impulso de, em tudo, exercer simples domínio
para, mais solto, autônomo e solidário, confiar-se
à própria vida. É saudável tomar distância,
por autocontrole e disciplina, de uma postura consumista, exercendo-se
no gesto de adiar desejos e esperar. Isso suscita senso de dádiva
com gratidão e aproxima de partilha fraterna, solidarizando
com os que passam fome em um contexto de carência. O exercício
de jejuar, além de efeitos preventivos e curativos, implica
ainda um protesto contra um mercantilismo consumista que cria
uma multiforme dependência.
Dualismo amargo
Na tradição
cristã, corpo e alma eram concorrentes. Herança
maldita de Platão, transmitida por teólogos. Como
resultado herdamos hábitos em práticas de renúncias,
privações e castigos no menosprezo do corpo e da
sexualidade. Vida espiritual era algo oposto ao material, semente
do mal. Quantas aberrações com frutos amargos nesse
medo do corpo, o que causava uma cãibra interior que castrava
o impulso vital. Toda forma de gozo era malvisto e não
convinha a uma modalidade espiritual de viver, O jejum, simples
dever, servia para reprimir o corpo. Em vez de promover a saúde,
provocava doenças; em vez de aproximar dos outros, alienava
de si mesmo.
Libertação
Hoje, quem pratica a arte de jejuar, se deixa carregar por uma
força interior que integra, une, pacifica e alegra. Jejum,
sintoma de bem viver, é uma ponte segura para o encontro
consigo, com a vida, com o próximo, todos envolvidos pelo
mistério maior que é chamado Deus. Esse nos quer
ver como filhos e amigos prazerosos. E no prazer que está
a plena realização do viver. Ora, o fundamento do
prazer está ancorado no corporal: a alegria de provar,
de sentir, de saborear, na intimidade. O prazer de viver é
garantia de alegria. Aqui se encontra uma força libertadora
que, qual vaso comunicante, conduz seus efeitos positivos para
outros setores.
Ser corpo
Quem se assume,
na plenitude da própria condição corporal,
será capaz de desenvolver-se como pessoa. Esta postura
implica um equilíbrio que, na medida adequada, valoriza
os dons corporais, sem escravizar-se a eles e sem usá-los
em prejuízo para si e para terceiros. Nesse sentido, o
gozo mais profundo carece, sempre, da medida certa. Fruição
irrefreada desumaniza, uma vez que dificulta ou impossibilita
a abertura frente à realidade global do viver. Em um visão
e postura ecológicas, longe do dualismo de malfadada concorrência,
o corpo é a base da vida espiritual. Ele não é
algo de segunda categoria, como o “irmão burro”.
Você é seu corpo.
Rumo à luz
Nunca houve, como hoje, tantas formas disponíveis de prazer,
na área da música, pintura e fé, da escultura,
imagens em TV, vídeo, DVD e internet. Há um leque
inesgotável de possibilidades. Quem sabe, em um futuro
próximo, comer e beber não terão mais tanta
importância. Por outro lado, a sobriedade sempre deve estar
a serviço do prazer. Quem sabe fruir, torna-se aprazível.
E nosso destino é sermos pessoas aprazíveis, para
nós mesmos e para os outros. Só dessa maneira podemos
estar abertos para o que temos de ser e de fazer na vida que levamos.
Jejuar se faz caminho para luminosidade, para vitalidade de espírito
e corpo, em boa convivência
Intuição
básica
Graças ao
jejum, conscientemente abraçado, o diafragma se abre, facilitando
um novo modo de sentir, de cheirar, de ver e de se relacionar.
Toma-se mais autêntica e mais plena a fruição,
aumentando o prazer de comer e beber, de crer e orar, de silenciar
e conviver. E nesse seu modo renovado de ser, a pessoa se apropria
da intuição básica de que se harmonizam,
a serviço do todo, luz e a escuridão, maré-cheia
e maré baixa, abundância e privação,
alegria e dor, vitória e frustração, aprovação
e desacordo, proximidade e distância. Essa sabedoria gera
bom senso, jovialidade, esperança, criatividade e um élan
vital imbatível, aumentando o prazer. Trata-se da “inteligência
corporal”, mais importante que a emocional, porque, aguçando
os sentidos, se faz fundamento de todas as outras formas de inteligência.
CURSO / ATUAL. --------------------
Março /04 ------------------------
Igreja do Carmo