MILAGRE

Milagre como urna intervenção divina, incomum, na modificação de causas segundas, parece ter algo de excludente, insinuando que Deus e sua graça não estariam onipresentes.

Milagre real é a misteriosa presença de Deus na pessoa humana, cada vez de novo capaz de superar a si mesma, em meio a novos desafios e insuspeitas possibilidades.

Se milagre é bênção somente para resolver problemas nossos, ele confirma uma cisão dualista entre o bem e o mal, entre bênção e desgraça no seio da realidade.

Na verdade, tudo na pessoa humana e em sua história tem a ver com Deus e sua Salvação. A cada um de nós a tarefa de haurir disso algo benéfico e saudável, também graças à fé.

Milagre implica seleção, exceção e privilégio, tanto por parte de quem é beneficiado como por parte de quem se faz benfeitor. Deus, porém, não faz acepção de pessoas.

É impossível que, dentro ou fora de cada pessoa, haja algo que seja capaz de impedir que Deus se revele a ela, aproximando-a de si e envolvendo-a com o poder da graça.

O milagre tem uma conexão direta com o poder, conferindo-lhe precedência sobre o amor. Interferir no jogo de coisas cotidianas, ainda não revela a grandeza do amor de Deus.

Milagre é, sem dúvida, o amor que, qual poderosa ondulação, vincula a pessoa a Deus para que ela viva cheia de graça, irradiando-a em sua limitação humana.

O milagre, ao aplicar a ação transformadora de Deus a casos excepcionais, chama a atenção de todos, mas não confirma todos no amor que envolve injustos como justos.

Na perspectiva do milagre, o bem pessoal recebe destaque; e por tratar-se de uma atenção especial para um caso particular, o bem individual parece valer mais que o bem coletivo.

Em geral, é algum (a) Santo (a) que se mostra fator desencadeante de um milagre. Isso faz concluir que algum problema ou uma devoção tem mais poder que o Plano de Salvação.

Se o milagre é uma excepcional manifestação do poder de Deus, somos forçados a afirmar que a gratuidade do amor divino, infelizmente, há de ser merecida por iniciativas especiais.

Poderoso é Deus em sua previdência, com a qual envolve todos, igualmente, a fim de que lidem, por uma fé criativa, com a vida por transformadora fé e cidadania.

O milagre, por tratar-se de algo peculiar, insinua que, quanto à providência divina, certos casos se encontram fora do controle divino, carecendo de uma ação intervencionista.

Nada somos fora do Plano de Salvação. A necessidade de um milagre, fisicamente, tem a ver com a negação de nosso mistério Deus em nós e nós nele.

NA CADÊNCIA DO MILAGRE

Quando a Escritura relata um chamado “milagre” ou “visão”, trata-se de uma experiência religiosa marcante que, intencional ou gratuitamente, nos pode acontecer com resultados gratificantes e desafiantes para um determinado modo de lidar com a vida e seus problemas.


Milagre é poder existir em permanente admiração pelo cotidiano.

Deus se comunica mais na leveza da relação que no poder do milagre.

O poder que se permeia de amor não é poder, mas doação confiante.

No chamado milagre Deus se mostra como prisioneiro de interesses humanos.

Pelo caráter excepcional do milagre, parece que Deus só atende a poucos.

Mais que um fato grandioso, o milagre parece ser problema de interpretação.

O que raramente sucede não é só resultado de uma especial intervenção divina.

Mais que milagrosa, a realidade é complexa, transcendente e misteriosa.

O inexplicável em nossa vida ou experiência é também uma dimensão do ser.

Em um suposto milagre, Deus se mostra mais juiz que amigo.

Milagre é tudo que produz vida e bondade, com ciência e tecnologia.

Milagre é aprender lidar bem com vida e pessoas e suas limitações.

Milagre é, de modo consciente, crer, esperar e fazer bem na vida cotidiana.

Milagre: um pedaço de pão, um copo de água, um sorriso... Ali Deus acontece.

Gestos impregnados de amor - Deus em nós. De milagre maior não precisamos.

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Escola Bíblica. ------------- Frei Cláudio Van balen------------ Igreja do Carmo/BH