A PAIXÃO DE CRISTO

O filme “A Paixão de Cristo” reproduz, unilateralmente, o enfoque tradicional com desrespeito à pessoa e missão de Jesus. Chama, pois, a atenção para a extremada violência de cenas de flagelação, coroa de espinhos, via crucis e crucificação. Insinua um voyeurismo da violência.

O exibido na tela não retrata a essência da missão de Jesus, uma vez que acentua demais o dolorismo na missão de Jesus e deturpa a postura de Deus frente ao servo sofredor em relação ao sofrimento, deixando encoberto a ternura do Pai em seu Plano de Salvação. A teologia ensina que o decisivo não era que Jesus sofresse (tanto) e morresse, mas testemunhasse a ternura do Pai. Essa, sim, implicava uma vida extremamente solidária com os curvados sob a cruz da culpa, da humilhação, do abandono e da exclusão. A visão de fé acentua essa ternura solidária por parte de Deus e manifestada no testemunho de Jesus.

O filme, porém, condensa e filtra fatos narrados nos Evangelhos, transformando dor em espetáculo. Em um clima de terrorismo artístico, com barbarismo e sadismo, Mel Gibson manipula (por interesse financeiro ou/e apologético?) o lado emocional do espectador, usando-o (talvez) como seu porta-voz publicitário. Por outro lado, minimaliza o valor de Jesus como pessoa iluminada e abre a porta para que se valorize o sofrimento físico, ocupando esse lugar central na Salvação cristã como se a Deus interessasse o castigo, a expiação, o holocausto.

O núcleo da questão não se limita à chamada Paixão de Jesus, mas à versão que o filme apresenta dos padecimentos que Jesus sofreu. A exasperação dos aspectos físicos deixa na sombra a dimensão espiritual do mistério de Jesus e ofende a grandeza do amor de Deus.

Segundo José T. Barros, chamam a atenção os belos vestuários, a figura digna de Maria, a vulgaridade de Herodes, os diálogos em aramaico e latim, a cenografia de duvidoso gosto barroco, o mau gosto do esmagamento da serpente, o ridículo da lágrima caída do céu, a figura de Judas atormentado, o terrorismo de um fantasma final, o fim sombrio do mau ladrão.

Por detrás do filme, parece, está um jogo de marketing que vulgariza a história de Jesus por uma ótica de violência. É sabido que as duas forças motrizes, que ativam a imaginação humana, são o sexo (pornografia) e a violência (terrorismo). Acontece que a história humana ainda não produziu outro testemunho igual a Jesus que se reconheceu enviado por Deus a fim de viver o amor da compaixão que defende o direito, combate a injustiça e inclui os excluídos.

Se Jesus morreu na cruz, não foi para aplacar a ira de Deus nem para expiar o pecado humano. Na gratuidade do amor sem fronteiras, ele testemunhou que o amor de Deus pede nossa incondicional confiança com a capacidade de doação na partilha e no exercício de cidadania, mesmo que isso, às vezes, nos possa levar à cruz.

O objetivo do reinado divino é que haja lugar para todos à Mesa da Vida e que nosso existir neste mundo seja de boa qualidade. Ao nos exercitarmos na prática da Fé, como seguidores de Jesus, nos tornamos portadores de sua alegria que se faz criatividade libertadora, longe do medo de castigo que o mercantilismo religioso propaga. Urge a hora de mudarmos o esquema tradicional da teologia cristã: Criação, queda, redenção, plenitude. E isso em um clima de sentimento de culpa e medo. Bem que o esquema poderia ser: AMOR, CRIAÇÃO, GRAÇA UNIVERSAL, FÉ E CIDADANIA, APRENDIZAGEM PARA SEMPRE. E isso em um clima de alegre fruição e de responsabilidade social.

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frei Cláudio van Balen

( Com idéias de artigos de José Tavares de Barros, frei Betto, L. Boff e de outros jornalistas.)