O PAPA CHEGOU
Esperança se Renova
(02/04/05)
O Papa morre. O Papa
chegou. A esperança renasce. A Igreja – instituição,
diante do mundo em mutação, sobrevive ao tempo,
como as montanhas de Minas e os edifícios na cidade de
Roma, Cidade Eterna. A Igreja como Testemunho de Jesus, sonho
da Humanidade, há de ser espaço aberto ao Espírito,
como faísca de luz a apontar um horizonte com vida de boa
qualidade.
* * *
Domingo de manhã, dia 03/04/05, 07h15.
Canais de TV noticiam a morte do Papa, projetando imagens de João
Paulo II, “o milagre da Mídia”. Papa também
morre. Deus é que não morre em sua teimosia ou em
sua impotência em não atender, ao pé da letra,
as preces de milhões. A natureza se impõe, soberana.
A graça atua natural. A Mídia mostra cenas comoventes
da trajetória do grande líder. Uma multidão
na praça de São Pedro. Vem a pergunta: será
que, na história da Igreja, houve um Papa que tanto se
encantou pelo poder, pela ovação do povo?
O pai morreu. Frente à TV : este papa
teve poder! Será que faltou gesto de lava-pés? Há
quem afirme: no macro, não. No micro, sim. Dedo em riste,
em excesso. Advertiu, conclamou, proibiu, condenou, excluiu. Faltou
sensibilidade, humildade, acolhida, respeito ao Espírito?
A Mesa da Comunhão se fez Mesa de Separação?
O poder contrasta com Jesus. O poder pesou mais que a solidariedade?
A Igreja vale mais que a humanidade? Deus nos esquece? Paradoxo
da vida. João Paulo II, flagrado em contradições,
foi grande. Participou, vibrou. Com mãos, pés e
coração. Quantas mensagens! Viagens incontáveis.
Tantos gestos para grandes e pequenos! O respeito de todos.
O pai morreu. Agora, há muitos que desejam
um Papa que retrate, de modo diferente, o jeito de Jesus. A crise
na Igreja, no mundo de hoje, tem tudo a ver com crise de poder.
É preciso cultivar o gesto de partilhar e de confirmar.
É urgente escutar em clima de busca, de diálogo
e de cooperação. É hora de não apelar
a Deus para, verticalmente, resolver problemas humanos. “Derrubar
do trono os poderoso”. Fora o dogmatismo! Jesus e seu Espírito
podem alojar-se em instituições autoritárias,
em verdades graníticas, em disciplinas congeladas, em ritos
cristalizados, em um modo hostil à modernidade?
O Espírito não voa solto, à
disposição de um poder momentâneo em uma instituição
poderosa. O Espírito - sopro a mover uma folha ou a arrancar
um solidéu - é o sussurro no coração
de um ateu e um alento para os fragilizados. O Espírito
é grito a passar pelas dobras de nossa emoção,
a deslizar nas ondas da musicalidade humana, a navegar na inspiração
de um profeta. Desejamos um Papa que se abra, mesmo de modo crítico,
às descobertas da ciência e da tecnologia. Mais sabedoria!
No mundo contemporâneo, a Igreja carece de um poder de confiança
e de partilha.
O Espírito é o vigor do pai e a
ternura da mãe. Ele é a paciência do enfermo
e a dedicação do médico. Ele segue na cadência
de anseios e angústias de quem projeta uma convivência
melhor. O Espírito é a elegância de quem,
tendo poder, desce do pedestal e se coloca no nível dos
que é chamado a servir. Ele se anuncia no jeito de toda
pessoa que respeita, escuta, questiona, dialoga, toma iniciativa
e descobre. O Espírito aprova mais a imperfeição
dos iniciantes que a perfeição dos que monopolizam
a verdade.
O Papa morreu. Ele contribuiu, com sua visão
de mundo e com suas atitudes – com sua dor? - para construirmos
uma Igreja diferente. Ele foi generoso, mas Deus parece mais servido
pela luz da modernidade que por um poder estranho que é
imposto. Edificar é importante. A humanidade, em seu confronto
com a história atual, gostaria de ser luz, ter beleza,
valor. Afinal, nada está pronto. Temos de aprender. Ninguém
sabe, ninguém resolve. Deus nos quer em estado de busca
e diálogo. A história, com seus erros e acertos,
vai abrindo caminhos e levantando a cortina que esconde o grande
Mistério. É indispensável que reconheçamos
o Espírito entrelaçando a história. Vamos
criar, entre religiões e cultura, um ambiente de estima
mútua, de confiança e de colaboração,
longe do medo e da condenação.
O Papa chegou. Seguro, projetou, às vezes,
valores da Igreja-Instituição em Deus, como se pudesse
legitimar, com poder divino, simples visões e decisões
humanas. E, como tais, imperfeitas ou até errôneas.
Como um pai, inseguro, preferiu voltar à antiga disciplina,
às normas do passado sem arriscar-se, confiante, nas ondas
da contemporaneidade. Deixou de buscar o novo? Em certos casos,
pareceu mais mitra e báculo que sandália. João
Paulo II morreu. Um sopro novo nos quer tocar, mobilizar.
Quem sabe, vamos poder sentir-nos mais à
vontade, mais confiantes, criativos, questionadores, acolhendo
um sopro a nos renovar, a nos fazer multiplicar cooperação
a partir de diálogo e valorizar novas potencialidades,
abandonando esquemas com mofo dogmático. Junto de Deus,
este Papa há de torcer por nós. Deixemo-nos interpelar
para reluzir na história, inquietando corações,
iluminando mentes, motivando vontades, buscando, no Espírito,
uma vida maior. Vida respeitada, assumida, libertada, confraternizada,
rica nos prazeres da convivências e nas alegrias da esperança,
em uma religiosidade fraternalmente integrada, ninguém
sendo dono da verdade. Vida sem tanta exclusão e com mais
lugares à mesa. Acima de doutrinas e disciplinas. No amor.
Todos um só, no mesmo Pai!
“Faço novas todas as coisas!”
Sejamos partícipes ousados na construção
do Reino.
* * *
Frei Cláudio van Balen