REFERÊNCIAS PARA SER IGREJA
Igreja de nosso Sonho
Se na ordem da criação,
atua a ordem da salvação. “O amor de Deus foi derramado em
nossos corações pelo Espírito que nos foi dado” (Rom.5,5). Se pela criação,
Deus realmente se partilha com sua obra, então, na criação há algo realmente
divino. “Sua divindade se fez acessível à mente humana por meio das
criaturas” (Rom. 1,20). Por conseguinte, quem partilha com outros o que é,
tem e faz, se partilha, através disso, com Deus. “O que fazeis a um dos mais
pequeninos, a mim o fazeis” (Mt 25,40).
Quem, no respeito, vê, no rosto de alguém, traços do rosto de Jesus,
capta algo de Deus mesmo. “Quem me vê, vê aquele que me enviou” (João,
12,45). Religião privilegiada é somente a que é humanizadora por integração e
libertação.
Se Deus há - na condição de
Pai de Jesus e Pai de todos (João 20,17) - há amor universal a envolver a
Criação, em sua globalidade. Se há Jesus, “irmão primogênito” (Col. 1,15), há
origem e destino divinos que marcam nossa condição humana. Se há amor
incondicional de Deus, não pode haver oprimidos (Lc 4,18) nem simples
retribuição entre Deus e suas criaturas (João 5,22); não pode haver sacrifício,
expiação, holocausto (Mt 9,13); não existe queda, rejeição nem redenção, pois o
amor de Deus é feito de bons cuidados e envolve todos (Lc 12,28) (João
15,9.13). O que há é Criação com Salvação (Lc 6,36), Salvação na Criação (Mt
25, 34-36).
Se há Deus em Aliança com a
Humanidade (João 3,16s), não há distanciamento entre céu e terra, mas há progressiva
integração entre história e graça (Mt 5,13s). Se há Deus e graça onipresente
(João 8,10s; Rom.834), não há Igreja
primordialmente com desempenho de funções mediadoras. Há, sim, prévia Comunhão
e Participação por parte do Pai a favor de todos (Rom. 8,37.39). Se há “Fazei
isto em memória de mim”, não faz sentido uma necessidade prévia de arrebanhar
almas por sacramentos e devoções (Mt 6,30). Todos somos convidados a celebrar,
gratos e confiantes, a total gratuidade da graça que precede a todos e envolve
cada pessoa(Mt 12,12) (Mt 6,32) .
Se, primeiro, há vida, amor, Palavra, encontro e
celebração, há, somente depois,função sacramental e tradição (Mt 15,3). Se,
desde o início, há “Verbo que se fez
carne”(João 1,1.14) e “Espírito a pairar sobre as águas” (Gen. 1,2), há,
secundariamente, função ministerial e graça sacramental. Se, desde sempre, há
“DNA’ divino em tudo e todos (João 17,11.21), há amor que envolve e abraço que
integra. Não há lugar para medo que insinua distância ou abandono (Lc 12,32), não
há separação que desintegra nem pecado que exige resgate (Rom. 8,35.39). Há
salvação que envolve todos, porque Deus é bom pastor! (João 10).
Deus, em sua relação com a humanidade, transcende, em muito, o poder e a função da religião (1 João 4, 8. 10). Na Igreja, as funções – ensinar, conduzir, santificar – estão a serviço das pessoas, mas a relação com Deus não se limita ao desempenho dessas funções (1 Cor.13,13). De fato, em seu confronto com o oficial romano, Cornélio, Pedro teve de reconhecer: “Agora eu sei que Deus não faz acepção de pessoas” (Atos 10,34s). Função não é ponte de acesso à graça, estando essa onipresente. A graça pode ser melhor assumida e fecundada mediante a
função, ajudando-a para atuar com
eficiência na realidade e irradiar-se no viver das pessoas.
Em toda pessoa, Deus encontra seu agrado, vendo nela uma
filha, um filho de sua estimação (Mt 3,17). Aqui, não há lugar para
discriminação nem privilégio Mt 5,44). Na prática religiosa, somos convidados a
assumir, a celebrar a graça onipresente, nossa união com Deus, através dos
Sacramentos. Ao assumir, assim, esta riqueza, temos de irradiá-la em
sentimentos, valores,
atitudes e relações. Este é o cerne da fé cristã.
Arquimedes disse: “Dêem-me um ponto de apoio
e eu farei estremecer o mundo todo em seus fundamentos”. Como
seria diferente nossa religiosidade com tal amor, berço de confiança, no centro
de nossa fé!
Oxalá,
em breve, esta essência – amor infinito, incondicional e universal de Deus –
torne a servir de ponto de apóio para nossa vivência eclesial, para a
elaboração das verdades da fé; inspire a orientação moral e, sobretudo,
focalize a riqueza na simplicidade das celebrações litúrgicas. Afinal, como
Jesus observou, Deus abençoa bons e maus, faz levantar o sol sobre justos e
injustos, parecendo com a chuva que cai sobre santos e pecadores (Mt 5,45). No
amor, ele abraça todos, não somente os que pertencem à Igreja. No amor, atinge
a todos, indistintamente. Nada nos separa de seu amor (Rom. 8,39), que elimina
opressão e promove a emancipação (Lc 4, 18 s e
1, 51-53). Todos como filhos na santa liberdade (Gál. 5,13)
* *
*
“A Igreja de nosso Sonho” será uma realidade particular
no contexto do Reino UNIVERSAL (contra o universalismo da cultura ocidental).
Ela se reconhece como um modesto ensaio – um “pequeno rebanho” (Lc 12,32) – chamada a dar testemunho da BOA NOVA de Jesus (Atos 1,8). Nela, o poder se faz
humildade em serviços (Mt 20,28). Esta Igreja se reconhece sempre a caminho (João 3,7), ajudando para construir uma
convivência, um mundo diferente (Apoc. 21,5). Isto implica, hoje,
superar toda forma de monocultura, fomentando a diversidade política e
religiosa em um contexto de biodiversidade do existir humano.
Na
Igreja de nosso Sonho, a reflexão teológica se faz palavra profética – encarnada,
deixando-se interpelar pelo Deus dos
outros, pela teologia das religiões, pela problemática do mundo moderno,
pelo Espírito que sopra em problemas atuais, na ciência e na tecnologia, pelo
sofrimento de povos indígenas e de bilhões de excluídos, pelos desastres
ecológicos, pelo fundamentalismo, pelo machismo, pelo clericalismo, pelo
dogmatismo e pelo sacramentalismo.
A Igreja
de nosso Sonho há de orientar-se pela reformulação dos 10 Mandamentos :
Reverenciar Deus :
1 - Pelo
esforço fraterno de libertação em prol dos oprimidos, excluídos e famintos.
2 – Na
colaboração de criar uma convivência estruturalmente justa.
3 – Por
repartir o que, de graça, se recebeu, assumindo um trabalho voluntário.
4 – No
esforço de aliviar sofrimentos e restaurar o meio-ambiente.
5 – Por
querer conviver com diferentes, lutando também por seus direitos.
6- Em
banir o individualismo, abrindo espaço para os humilhados.
7 – Por
exigir dignidade igual para homem e mulher, na política e na religião.
8 – Em
comprometer-se com as formas mais frágeis de vida.
9 - Por
adotar meios não violentos para uma sociedade de9 justiça e paz.
10 – Em
testemunhar sua fé, confirmando outros em seu valor, no amor de Deus.
* * *
Atualização Frei
Cláudio van Balen Igreja do
Carmo / Bh -2005