TRANSSEXUALIDADE
“Era como se eu vivesse em uma sala
de espera, diante de uma porta que nunca se abria”.
(Kim Pérez - Estado de Minas, 11/07/2004)
A experiência de vida é
radicalmente sexuada, com carga emocional em projeção
relacional, de caráter hétero, homo ou trans-sexual,
tendendo a assumir-se, a superar-se ou a acomodar-se frente a
tentativas preconceituosas e excludentes de engessamento ou rigidez.
A experiência pessoal de Joaquim Pérez, que passou
por uma intervenção cirúrgica para mudança
de sexo, merece uma reflexão mais ampla.
O governo espanhol apresentou, recentemente, ao Congresso um projeto
de lei que contempla o “direito à identidade sexual”
e, ainda, no Parlamento Europeu, tramita projeto semelhante permitindo
aos transexuais a trocar de sexo, inclusive nos registros civis,
o que nos remete a importantes transformações da
atualidade.
De fato, ética, estimulada por cidadania e fé, orienta
as pessoas na elaboração de respostas às
interrogações do mundo contemporâneo. É
ausência de lucidez avaliarmos fatos através de uma
religiosidade retrógrada ou de uma ciência preconceituosa
e bitolada. A vida não pode ser rigidamente congelada em
formas uniformizadas. A ética nos remete à consciência
dessa responsabilidade de imprimir dignidade diversificada ao
viver e conviver.
Médicos afirmam que “trans-sexualidade não
é simplesmente perversão, obsessão ou transtorno
mental. Tampouco uma doença.” E, no artigo citado,
Kim revela, no depois da cirurgia, uma libertação
conquistada com uma identidade finalmente cidadã.
A ciência, como ferramenta da ética libertadora de
amarras impostas pelo imaginário cultural ou religioso,
há de ajudar para superar obstáculos que transformam
a vida em algo negativo a partir do modo errado de lidar com diversas
realidades que integram o conviver.
A Fé de Kim na Igreja do Cristo libertador, extremado respeitador
da condição humana, permitiu que ele prosseguisse,
incansavelmente, em busca de respostas para compreender a vocação
libertária do amor até o fim, o que lhe devolveu
sua identidade na ampla criatividade de suas responsabilidades
diante do próximo.
Na dor sofrida, levou consigo a solidariedade daqueles que conhecem
e reconhecem a importância do outro para o verdadeiro encontro.
Em uma boate, ao encontrar-se com um trans-sexual realizado e
feliz após a cirurgia, Kim pôde degustar algo da
liberdade singela de desempenhar sua vocação original.
E, após trilhar o mesmo caminho, decide retornar à
Igreja, pois entende que é dentro dela que há de
contribuir para que as transformações se operem.
Ouçamos seu depoimento: “Um transexual rompe com
o esquema da lógica da maioria das pessoas, mas quem mais
nos discrimina são os católicos à moda antiga,
os fariseus de hoje”.
O psicanalista jesuíta Carlos Morano entende que “o
problema da Igreja, ao longo dos séculos, não é
com hétero-, homo- ou trans-sexualismo, mas com o sexo”.
Eis a questão. A Igreja do clero celibatário, negando
como que o sexo, não pode dar-se ao luxo de lidar com ele
na santa liberdade, i.é. no respeito dos filhos de Deus.
Sobra-lhe desrespeito, fuga, negação, repressão,
condenação, mal sabendo que, com as pedras que joga
nos outros, soterra a missão que Deus lhe confia: cultivar
a pureza do olhar.
Voltemos à ética, à cidadania e à
fé. Se nós, cidadãos, somos a Igreja e, portanto,
artífices do bem, precisamos relacionar-nos de forma mais
leal com Jesus Cristo para vivenciar um modo de ser sem preconceitos,
promovendo as relações interpessoais acima de qualquer
instituição. Sacrifício não, somente
compaixão. Os holocaustos se perpetuam por não se
reconhecer um irmão ou uma irmã nos que vivem, sofrem
e sonham conosco, tendo todos igual direito a reconhecimento e
felicidade.
* * *
Frei Cláudio Van Balen
Teólogo e Psicólogo
Rosara Maneira
Professora de Teoria Geral do Estado da UNIBH
Voluntária na Igreja do Carmo ( Paróquia de Nossa
Senhora do Carmo)