UM OLHAR SOBRE A IGREJA
-----------No
atual contexto cultural, a prática da fé exige que
sintonizemos com as necessidades religiosas e espirituais das
pessoas que buscam um encontro mais personalizado em suas relações
e uma presença mais responsável e solidária
dentro da comunidade. A experiência de encontros profundos
não acontece tanto no nível de normas e doutrinas
(poder), mas no setor da convivência (amor).
-----------Na
ação pastoral é preciso que nos orientemos
para essa chamada mentalidade moderna, que valoriza sentimentos
e experiências envolventes com acolhida, partilha, confirmação,
participação e criatividade. Em tal dimensão
de Igreja, pesa bem menos a dimensão hierárquica,
sendo que as pessoas precisam ser mais acompanhadas que ser conduzidas.
-----------Em
um ambiente fragmentado é bem menos intensa a estrutura
e a identidade da vida de fé, enquanto o processo de individualização
deixa as pessoas andar com seus próprios pés sem
dispensá-las de descobrir e delinear, por uma ajuda mútua,
suas verdades subjetivas dentro de uma tradição
que, na liberdade, merece respeito, pois é nela que (re)vitalizamos
a religiosidade.
-----------Nós
cristãos do Carmo-Sion, em ritmo de conscientização
e engajamento, refletindo a esperança e as angústias
da Igreja, manifestamos, em nome da Comunidade Paroquial, nossa
disposição de construir, dia a dia, uma Igreja que
realmente se disponha a assumir a riqueza da fé cristã
em uma perspectiva transformadora. Precisamos prolongar e adaptar
o esforço libertador de Jesus.
-----------Acontece
que, perto e longe, há entre os fiéis os que percebem
a Igreja qual mãe ultrapassada. pela qual ainda têm
um carinho de gratidão e respeito por lhes ter legado valiosas
riquezas de vida. Mas ela lhes dá, não raro, a impressão
de manter-se distante demais da atualidade com seus problemas,
perspectivas e anseios modernos que pedem adesão e profunda
renovação.
-----------Nestes
sessenta anos de Paróquia temos feito um esforço
para apoiar a abertura que resultou do Concílio Vaticano
II, depois confirmada pela Conferência Episcopal de Medellin,
buscando corajosamente uma aproximação fraterna
com o diferente em vista de relações enriquecidas.
Nossa missão tem sido fazer questionamentos, realizar novas
experiências e multiplicar ensaios de comunhão e
participação nos diversos setores da ação
pastoral e promocional.
-----------Clamamos
por uma Igreja que amenize sua ansiosa preocupação
doutrinária e disciplinar e, em vez disso, ouse mergulhar
na ousadia do amor. Só dessa maneira será capaz
de manter suas portas abertas em forma de acolhida, até
mesmo para aqueles que, do lado de fora, dão testemunho
de uma corajosa luta por mais justiça e fraternidade com
libertação e integração.
-----------Historicamente
somos forçados a perceber o poder na Igreja muito autoritário
e centralizador, no que diz respeito, prioritariamente, ao que
ela considera como verdades e valores, mal se dando conta de que
os mesmos têm de desdobrar-se, progressivamente, ao longo
do acontecer histórico com a participação
de toda a comunidade. Jesus não deixou uma Igreja de doutores
e alunos, mas um movimento de irmãos em clima do serviço
de autêntica cidadania.
-----------Gostaríamos
tanto que a instituição eclesiástica fosse
menos hostil ao que acontece no mundo,
mostrando-se mais fiel aos “sinais dos tempos” e melhor
identificada com o processo histórico, sempre em evolução,
fazendo-se sensível às necessidades e potencialidades
de pessoas, grupos e povos, de filosofias de vida, culturas e
religiões.
-----------Na
perspectiva de nossa fé, acreditamos que a graça
divina , está onipresente, tanto no progresso científico
e tecnológico como no todo da modernidade com seu decréscimo
na pertença a uma religião. Cabe justamente à
Igreja testemunhar que o Reino de Deus está presente nas
realidades cotidianas e nas realizações humanas;
e que hoje seus fiéis, mais que ovelhas passivas na obediência,
hão de ser cidadãos participantes e místicos
no dinamismo do Espírito.
-----------Nossa
Paróquia procura colaborar para que a Igreja, um dia, vá-se
tornando, cada vez mais, aberta reconhecendo que o Espírito
faz irromper sua divina luz pelos quatro pontos cardeais deste
mundo, como lembrou o Concílio Vaticano II, atingindo todos
os corações, sem distinção de raça
e religião. E nesta tarefa, ela há de ser, em todas
as comunidades, mais discípula que mestra, mais companheira
que mãe, mais presença criativa que vigilante de
disciplina.
-----------Nossa
atuação na Comunidade pretende contribuir para que
a Igreja se alegre pelas maravilhas da Salvação,
sentindo-se à vontade em sua inserção dentro
da História. Sim, precisamos convencer todos os membros
da Comunidade que, mais que simples pecadores, são portadores
do infinito, herdeiros do Céu. E desejamos contagiar outras
comunidades com uma esperança criativa no desempenho da
vocação de serviço, em que o poder existe
para dar voz e vez aos pequenos.
-----------Será
que estamos enganados? Parece-nos que Igreja-Instituição
mostra não ter consciência da imensa e sempre atual
riqueza da Boa Notícia do Evangelho. Em vez de testemunhar
essa dádiva inserida no coração humano e
presente no bojo dos fatos, ela dá a impressão de
querer instrumentalizá-la a favor de sua própria
estrutura de um poder isolador e prepotente.
-----------A
vontade de Deus revela-se através das mais diferentes e
surpreendentes mediações. Daí que na Igreja
somos todos iguais, como lembrou Jesus. Ela não pode excluir
os que julgam como seu dever, à luz da atualidade, questionar
seus ditames doutrinários, morais, litúrgicos e
disciplinares; tampouco tem poder para, apressadamente, separar
dignos de indignos à Mesa do Pão. Converter-se é
preciso; e para todos, indistintamente, renascer e dialogar é
ordem básica do Evangelho.
-----------Precisamos
colaborar para que todos os cristãos se distingam, confiantes
e generosos, por um entusiasmo enraizado em sua fé que
os motive a assumir sua parcela de responsabilidade nas comunidades
da Igreja e nos distintos setores da sociedade, participando em
movimentos civis e organizações de cidadania. Mais
que todos, os cristãos são chamados a dinamizar
a convivência humana por uma renovação no
exercício da consciência e da participação
política.
-----------No
que depende de nós, continuaremos dando nossa contribuição,
apoiados por dezenas de serviços da Comunidade Carmo-Sion,
para que a Igreja se mostre mestra em inclusão, testemunhando
que há lugar para todos à Mesa de “Comunhão”
que reserva um lugar de honra para os aparentemente indignos.
“Eis que faço novas todas as coisas”.
Belo Horizonte dez. / 2004
-----------------------------------Frei Cláudio
van Balen